quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Anatomia da crise do banco PanAmericano - Parte I

Em 2008 meu filho de apenas 13 anos perguntou “Pai o que está acontecendo”? Era o auge da crise imobiliária americana. Como explicar uma crise sem precedentes para uma criança? Amor paterno explica.
A única resposta para aquele momento que ocorreu era sintetizada apenas por um termo – ganância. A partir dessa definição foi possível desenvolver uma explicação inteligível e razoável do que estava acontecendo.  Depois de ouvir com atenção minha narrativa ele exclamou: “Pai, que confusão os caras arrumaram”! Meu objetivo foi atingido. Ele, sem que fosse necessário compreender o pensamento liberal de Adam Smith e os fartos jargões de mercado, tais como derivativos, mercado futuro, sweeps entendeu a descrição que fiz.
Ontem à noite enquanto explicava para minha esposa o caso do Banco PanAmericano ele se aproveitou de uma deixa e completou: “Resumindo, mãe. O problema é a ganância”. Ele tem razão.
Afinal, o que aconteceu? Todos nós sabemos que os Bancos sobrevivem da concessão de crédito ao consumidor. Por meio dos juros que cobram obtêm a rentabilidade necessária para manter suas operações e gerar lucro aos seus acionistas. A velha história do “toma lá dá cá”.
O PanAmericano, objeto de investigação do Banco Central, tem uma forte atuação no varejo, concedendo crédito consignado e empréstimo para financiamento de carros aos consumidores. É prática no mercado a venda da carteira de crédito que instituições dessa natureza detêm para outras instituições financeiras como forma de alavancar mais recursos mediante um deságio na venda dos Ativos.
 Por exemplo, se uma carteira de crédito possui o valor de R$ 1 bilhão (soma das parcelas dos empréstimos a receber em um prazo de 24 meses dos seus clientes) e ele deseja fazer caixa é comum vender o total dessa carteira para outra instituição que paga mediante uma taxa de desconto o valor daquela carteira de crédito. No exemplo mencionado, suponha que o valor da carteira desses créditos foi repassado para outro banco que pagou com o deságio o valor de R$ 700 milhões pela carteira de crédito. O deságio leva em conta uma taxa de desconto e outras variáveis para cobrir o risco de inadimplência que o outro banco assume, pois irá receber o R$ 1 bilhão ao longo dos 24 meses.  As duas instituições ganham na operação. A primeira que ofereceu a carteira passou a contar com um recurso à vista e a outra ganhou na diferença. A diferença do valor da carteira vendida é um ótimo negócio se bem negociada, e os banqueiros costumam fazer bons negócios — creiam.
 Dessa forma, o PanAmericano obtinha recursos à vista para emprestar mais dinheiro para seus clientes. Operação usual. Até aqui nada fora das regras.
Entretanto, valendo-se de uma falha no sistema, o banco, apesar de vender a carteira de crédito para outra instituição, não baixava de seus Ativos (bens), o valor da carteira de crédito vendida. Dessa forma maquiava seu Patrimônio por meio de manipulação contábil apresentando mais recursos do que possuía para obter mais crédito no mercado.  Se aplicarmos o exemplo acima a um indivíduo que possui vários bens e se desfaz de alguns desses bens, mas não dá baixa naqueles que foram vendidos, ele fica em uma situação privilegiada, por exemplo, para obtenção de crédito junto às instituições financeiras. Eu poderia afirmar que guardadas às devidas proporções foi isso que aconteceu com o Banco PanAmericano, mas não foi.
O Banco Central, órgão supervisor do setor, por alguma razão desconfiou dos volumes apresentados pelo PanAmericano e constatou que a instituição não estava trabalhando dentro das regras. Diante das irregularidades detectadas agiu corretamente para restabelecer a ordem das coisas. Como resultado imediato o Grupo Silvio Santos, controlador principal da instituição, teve que recorrer ao Fundo Garantidor de Crédito – FGC para aportar a quantia de R$ 2,5 bilhões na instituição como forma de restabelecer o equilíbrio patrimonial do Banco PanAmericano. Vale destacar que o FGC é um mecanismo de segurança do setor um colchão de segurança. Trata-se de um fundo formado com contribuições das instituições que operam no mercado para servir de salvaguarda em situações que podem afetar o mercado.
Entretanto, para obter o crédito do FGC, o controlador da holding do Grupo Silvio Santos teve que colocar como garantia para salvar o PanAmericano ativos que possui. As garantias apresentadas são o sistema SBT, a rede de lojas Baú da Felicidade, entre outras.
A história promete novos desdobramentos em vista do processo de investigação em curso pelo Banco Central. Quando foi detectado o problema? No due dilligence que antecedeu a compra pela Caixa? O BACEN teria condições de saber do problema? Por que a notícia foi divulgada somente depois do processo eleitoral? Há quanto tempo a pratica era realizada?  Existem culpados? Quem são eles? Quanto os administradores lucraram com esta prática? O que este episódio pode representar para o setor? É um episódio isolado ou será possível encontrar prática similar em outras instituições semelhantes? Qual a repercussão que este caso causará?
Comprometo-me a escrever sobre esse tema em outra ocasião, pois o tema parece que ficará na mídia por algum tempo até tudo ser esclarecido.

Marco Pontes é diretor da LG&P Consulting, membro do Instituto Brasileiro de Atuária (IBA) e da Academia Nacional de Seguros e Previdência (ANSP).
E-mail: marco.pontes@lgpconsulting.com.br - Twitter: @MarcodePontes
Skype: Marco.Antonio.Pontes - Blog: www.marcoponteslgpconsulting.com.br

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