Em geral os sistemas de
aposentadoria se fundamentam em modelos de longuíssimos prazos e levam em
consideração projeções econômicas e demográficas. Para que tais sistemas sejam
mantidos em equilíbrio, é recomendável que se promovam ajustes periódicos e
paulatinos, sobretudo nos anos em que a economia do país atravessa por períodos
de bonança. Caso contrário, os desequilíbrios gerados pelo aumento dos gastos
se tornam frequentes. Não à toa, acompanhamos, ao longo das últimas décadas,
diversos países promoverem mudanças em seus sistemas de aposentadoria. A
questão da previdência tem sido – e continuará sendo – um tema prioritário nas
agendas dos governantes em todo o mundo. Não se trata, pois, de uma questão
circunscrita ao Brasil.
Nesse contexto, são diversos os
fatores que contribuem para que os referidos desequilíbrios se apresentem. Nos
regimes que seguem o modelo de repartição simples – o denominado “pacto de
gerações” –, tais fatores estão vinculados à questão atuarial, isto é, à queda
do índice de fecundidade, ao envelhecimento da população e ao alongamento da
expectativa de vida. Salvo raríssimas exceções, esses regimes não são mais
sustentáveis. Prova concreta disso é a própria experiência brasileira. Por
possuir um sistema muito complexo, o Brasil se encontra em uma situação na qual
não parece ser possível alimentar perspectivas otimistas.
Em 2015, o déficit da previdência
teve pesada parcela de responsabilidade no aumento do déficit público, situação
que se perpetuará se nada for feito nos próximos anos. Os indicadores
macroeconômicos denunciam a gravidade dos fatos. Não são poucos os argumentos e
os dados estatísticos que corroboram a necessidade de se promover uma reforma
estrutural do sistema brasileiro. Inclusive, ao longo das três últimas décadas,
os especialistas na matéria vêm tentando, sem sucesso, alertar os governantes
de que é preciso empreender mudanças urgentes. No entanto, avançou-se muito
pouco nesse sentido.
Além dos fatores de desequilíbrio
já comentados, no caso brasileiro, há variáveis adicionais que acabam por
tornar o panorama ainda mais complicado, tais
como: (i) a concessão de vantagens para determinadas categorias
profissionais; (ii) o critério de elegibilidade aos benefícios; (iii) a indexação
da aposentadoria ao salário mínimo; (iv) a extensão do benefício de
aposentadoria para pessoas que nunca contribuíram para o sistema; (v) a
equivalência do benefício de aposentadoria ao salário da ativa de uma determinada
parcela da população; e (vi) o fato de o tempo de serviço ter prevalecido por
longos anos como condição primária para a aposentadoria, o que possibilitou o
ingresso precoce de muitos participantes à condição de aposentado. Como se não
bastasse os elementos acima destacados, o aumento da economia informal, o
desemprego e a dificuldade de entrada no mercado de trabalho também serviram
para agravar ainda mais a situação nos últimos anos. Tais distorções expõe, de
maneira inegável, a precariedade da arquitetura dos sistemas de previdência que
coexistem no Brasil.
Vale ressaltar que o sistema
brasileiro, além de complexo, também é injusto, vez que parece dividir o país
em castas. De um lado, tem-se o Regime Geral da Previdência Social – “RGPS” –,
representado pelos trabalhadores da iniciativa privada que contribuem para o
INSS; de outro, os Regimes Próprios da Previdência Social – “RPPS” –, que cobrem
o setor público e os militares. O
primeiro, que encampa um contingente de aproximadamente 100 milhões de
participantes, entre contribuintes e beneficiários, gerou, em 2015, um déficit
de R$ 78 bilhões. No mesmo período, o regime próprio do setor público, que
abrange uma população próxima de 10 milhões de participantes, produziu um
déficit da ordem de R$ 114 bilhões. Não é preciso ser um especialista para diagnosticar
que há algo de errado, sendo que tal distorção tem se perpetuado ao longo dos
anos.
É perfeitamente compreensível a
dificuldade que pessoas leigas normalmente possuem para entender a importância
que o equilíbrio atuarial tem para a manutenção da sustentabilidade de
determinado sistema de previdência. Nessa toada, há que se fazer uma distinção entre
benefício assistencial e benefício previdenciário.
No rol de benefícios assistenciais,
enquadram-se os pagamentos do auxílio-doença, do auxílio-maternidade, do
auxílio-reclusão, entre outros. Em tese, eles devem cobrir o indivíduo antes
que seja possível gozar das garantias inerentes ao direito à aposentadoria. Já o
benefício previdenciário está relacionado ao pagamento de valores periódicos,
tais como a renda de aposentadoria e a renda por idade. Como podemos observar,
tratam-se de situações distintas. Enquanto, no primeiro caso, estão inseridos
os benefícios de curto prazo e – ressalva feita à invalidez – anteriores à
concessão da aposentadoria, os demais são rendas programáveis, que devem levar
em conta os aspectos atuariais no que tange ao financiamento. Quanto aos
benefícios assistenciais, é compreensível – e justificável – que o
financiamento ocorra com base em um modelo de mutualismo, diferentemente do que
deve ocorrer no caso dos benefícios previdenciários, para os quais é necessário
que exista uma relação direta entre o que foi pago e o que será recebido, no
futuro, a título de renda.
Entretanto, no Brasil, por
questão ideológica, uma parcela significativa dos opositores à reforma
estrutural da previdência despreza a lógica atuarial e contributiva dos
benefícios previdenciários, sob a alegação de que tanto os benefícios
assistenciais de curto prazo quanto os benefícios previdenciários de longo prazo
devem ser financiados segundo um modelo de redistribuição de renda. Nas últimas
décadas, nossos governantes ignoraram aspectos técnicos incontestáveis, subestimando
a gravidade da situação. Alguns foram mais longe ao se acomodarem com o
superávit de caixa observados em anos de bonança da economia, embora o déficit
atuarial já fosse uma realidade.
O superávit financeiro temporário,
que foi possível obter no passado, deveu-se à custa do sacrifícios da maior
parte dos trabalhadores e dos empresários da iniciativa privada, isto é, por
meio do aumento das contribuições; da redução do teto do benefício da
previdência social; e da adoção de medidas paliativas, como a introdução do
fator previdenciário e de outros fatores exógenos, que, a rigor, nada têm a ver
com a questão previdenciária, visto que o déficit atuarial, como já afirmado
neste artigo, é uma realidade há décadas.
Os governos FHC e Lula ensaiaram
promover a reforma em períodos mais propícios, quando dispunham de apoio
popular e político para fazê-lo, mas foram ineficientes em convencer a
sociedade de que se fazia necessário dar esse passo. As principais causas que
levaram ao fracasso de ambos foram a falta de vontade política, a
impopularidade do tema, o forte corporativismo de alguns setores da sociedade,
e a questão do direito adquirido – versus
expectativa de direito –, que perpetua o abismo entre os participantes do RGPS
e os do RPPS.
É preciso defender um sistema que
não aprofunde as diferenças existentes entre os trabalhadores da iniciativa
privada e os da iniciativa pública, como acontece na atualidade. A nosso ver, o
sistema ideal não pode conceder diferenças tão acentuadas entre os
trabalhadores de um setor, em detrimento do sacrifício dos de outro setor. Só
assim seria possível evitar a perpetuação de um sistema injusto.
Do ponto de vista teórico, o
sistema de três pilares é uma aspiração. O primeiro pilar seria baseado no
regime de repartição simples até um limite mínimo, financiado por meio da
redistribuição de renda; o segundo pilar, compulsório no regime de
capitalização junto ao setor privado, com contribuição obrigatória dos
trabalhadores e das empresas; e, finalmente, o terceiro pilar, facultativo, e
financiado, exclusivamente, pelo trabalhador que desejar uma renda superior ao
limite do segundo pilar.
Apesar de todo o avanço que
obtivemos nos últimos anos em termos de regulamentação para proteção de
direitos legítimos, deparamo-nos com situações pontuais de corrupção e de
desvio de recursos em fundos de pensão, patrocinados por algumas empresas
estatais – como foi, recentemente, revelado pela mídia. No meio desse fogo
cruzado estão os trabalhadores e os participantes aposentados e pensionistas,
maiores prejudicados pela ação maléfica desses agentes inescrupulosos, cujo
papel principal deveria ser o de zelar pela gestão eficiente dos recursos
acumulados ao longo de anos. Repentinamente, em tempos difíceis da economia, os
principais atores do sistema são chamados para fazer um esforço adicional de
contribuição para cobrir o desfalque.
Por outro lado, os custos dos
planos privados comercializados nos bancos, ainda são vistos com desconfiança
por grande parte da população, em função do custo que representam ou da baixa
familiaridade dos brasileiros com este tipo de produto. Para qualquer cidadão,
trocar uma promessa garantida pela Constituição para se transformar em mero
consumidor de um produto não parece ser um bom negócio, mesmo que o pretenso direito
adquirido seja uma garantia fugaz diante da falta de recursos para
honrá-lo.
Como podemos observar, ainda
estamos muito longe de uma solução. Fato é que o tema da reforma volta à
discussão neste novo governo, tendo sob pano de fundo um cenário caótico do
ponto de vista político, econômico e social. O desafio é grande e, ao que tudo
indica, diferentemente do que já se verificou no passado, a sociedade
brasileira não será mais tolerante em relação a qualquer tentativa de aumento
de impostos ou de manutenção de privilégios.
Marco Pontes é diretor da LGP Consultoria Atuarial e líder da prática de Serviços Atuariais da Grant
Thornton.